A cessão de crédito de precatórios a terceiros, que à primeira vista pode parecer um ótimo negócio para quem tem urgência no recebimento desses valores, tem sido motivo de arrependimento e de ações na justiça por parte de muitos servidores públicos quando percebem que fizeram um mau negócio.
Geralmente a negociação é feita com empresas especializadas na compra de cessão de créditos que não mencionam o valor atualizado que a pessoa tem a receber. Elas consideram apenas a data da geração do precatório e oferecem um desconto de 80% a 90% do valor histórico, “o que é um deságio enorme”, observa Fábio Scolari, sócio do escritório Scolari Neto & Oliveira Filho Advogados. “Parece uma solução rápida, mas na maioria das vezes é um equívoco. Não cometa o erro de ceder seu precatório”, adverte o advogado.
Dr. Fábio lembra alguns casos em que credores de precatórios moveram ação declaratória de nulidade jurídica indenizatória contra empresas especializadas na compra de precatórios.
Num processo da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, por exemplo, um credor sustenta que a empresa, no intuito de ludibriá-lo, afirmou que ele teria para receber a quantia de R$ 10.000,00, mas que demoraria a sair, e assim ofertou o valor de R$4.000,00, que foi transferido via TED para sua conta.
Ocorre que, posteriormente, o credor soube que o valor a que teria direito no processo seria de R$57.402,21. Diante da disparidade de valores, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou parcialmente procedente a ação para anular o instrumento particular de compra e venda de crédito estadual.
De acordo com a sentença, o juiz considerou que a instituição, expert no tema, “certamente já detinha conhecimento do valor que a parte autora teria direito, e ofertou valor bastante inferior”. Além disso, o autor da ação era pessoa idosa e, portanto, mantinha posição preferencial na ordem de pagamento de precatórios.
Desproporcionalidade e dano à credora
A mesma decisão foi mantida em outro processo de compra e venda de crédito estadual em que foi constatada a desproporcionalidade do negócio jurídico, e o consequente dano à credora que fez cessão de seu precatório. Nesse caso, a viúva do credor falecido, recebeu inúmeros contatos de uma empresa para que lhe vendesse o precatório, sob alegações de que havia demora no pagamento a ser efetuado pela Fazenda Estadual e de que poderia não usufruir do dinheiro em vida, em razão de sua avançada idade. A viúva foi informada que o valor que ela teria a receber seria de R$ 100.000,00 em abril/2019, e que a empresa pagaria R$ 15.000,00 pelo título.
A viúva e os filhos decidiram então vender. Mas, posteriormente, foram contatados por escritórios concorrentes da empresa e descobriram que o precatório em abril/2019, seria no valor de R$ 524.887,06. Assim, solicitaram a anulação do instrumento particular de compra e venda de crédito estadual e da procuração pública, bem corno indenização por danos morais.
À época da celebração do negócio jurídico, a viúva era aposentada, tinha 76 anos e teve dificuldade para manusear a ferramenta Teams, por meio da qual se realizou audiência virtual, necessitando do auxílio de sua neta. Ao negociar o título também não contou com apoio jurídico ou especializado que lhe desse esclarecimento sobre o assunto. Diante dessas circunstâncias a juíza de primeiro grau afirmou que “o erro, no presente caso, deve ser considerado escusável, face as circunstâncias pessoais da autora, que nitidamente é pessoa vulnerável e inexperiente em razão de sua idade e ausência de conhecimentos técnicos”.
Informação ocultada
Outro exemplo é de uma servidora pública que integrou ação coletiva proposta no ano de 1998, requerendo o reajuste de vencimentos devidos no ano de 1995. Segundo a autora, seus créditos relativos aos reajustes atrasados foram incluídos no seu precatório que aguardava pagamento. Por ser maior de 60 anos – tinha 86 anos de idade no momento da ação – ela possuía prioridade de recebimento do precatório. Assim, em 29 de marco de 2018, o Tribunal de Justiça disponibilizou em conta judicial o montante de R$ 105.136,55 em seu nome.
Entretanto, antes de ter conhecimento do depósito realizado nos autos em seu nome, ela foi procurada por uma empresa de compra de precatórios que lhe informou o prazo de 15 anos para realização do pagamento do precatório, mas que a empresa poderia “adiantar” o crédito.
A empresa ocultou a informação de que já havia depósito nos autos do processo, e a autora, em 17 do julho de 2018, foi induzida em erro e assinou instrumento particular de compra e venda de crédito, recebendo pela totalidade dos créditos do precatório o valor de R$ 31.500,00, descontados os honorários advocatícios, imposto de renda e descontos previdenciários devidos ao erário.
Na realidade, em 30 de setembro de 2014, o valor total da conta era do R$ 667.482,76. O Tribunal de Justiça atualizou este cálculo até 29 de julho de 2018, com o depósito de RS 105.136,55, restando ainda o saldo remanescente de R$ 747.569,07 a ser pago quando da quitação integral do precatório que deveria ocorrer até 2024. Ou seja, o valor real da quota bruta que deveria receber, era de R$ 852.705,62 e não aquela que foi depositada.
Diante dessa informação, a autora entrou com ação e foi beneficiada pelo julgamento de procedência de demanda e foi reconhecida a existência de um crédito contra o município de São Paulo no total de R$ 852.705,62.
Como se vê, as empresas que negociam cessão de crédito de precatórios, além de aplicarem um deságio gigantesco, omitem informações, pressionam os credores em relação a prazo de recebimento e induzem os credores em erros.
Por isso Fábio ressalta a importância dos credores consultarem advogados especializados em precatórios que levantarão a real situação do credor, os valores atualizados e o prazo estimado de recebimento.